sexta-feira, 24 de maio de 2024

Dia do Detento: uma reflexão sobre o desencarceramento no Conjunto Penal de Itabuna

Por Domingos Matos

O dia 24 de maio é lembrado em todo Brasil como o Dia Nacional do Detento, uma data em que geralmente não se comemora nada, mas que serve como possibilidade de reflexão sobre a realidade do encarceramento no país. Os números são impressionantes, chegando a cerca de 645 mil pessoas encarceradas, e outras 190 mil em cumprimento de prisão domiciliar.

O Brasil, terceiro país que mais prende no mundo – atrás apenas da China, que, devido a sua população imensa ostenta números recordes em diversas áreas, para o bem e para o mal, e dos Estados Unidos, certamente uma inspiração para encarceramento massivo brasileiro. Urge uma política de desencarceramento, dizem os estudiosos.

Em Itabuna, que possui um estabelecimento prisional com 674 vagas, está em curso uma política de desencarceramento “por dentro”, a partir do trabalho diligente da unidade prisional em parceria com os órgãos que operam a Execução Penal – Vara de Execuções, Ministério Público, por meio da 13ª Promotoria (Execução Penal), e Defensoria Pública, além da atuação combativa da advocacia criminal.

Um aviso necessário. O que se dirá adiante não tem o condão de açucarar a privação de liberdade nem dourar a realidade de quem enfrenta o cárcere, tampouco passar pano para qualquer situação ou experiência pessoal de quem já viveu, direta ou indiretamente tal experiência. É um relato do que se pode ter de positivo a partir de uma situação extrema.

O Conjunto Penal de Itabuna vem se consolidolando, desde o final da década de 2010, como uma unidade referência na garantia de direitos previstos na Lei de Execuções Penais e nas demais legislações nacionais e internacionais sobre o tema, a exemplo das Regras de Mandela e as Regras de Bangkok, estas últimas direcionadas ao público feminino. As Regras de Mandela e as de Bangkok fazem parte do programa de Direitos Humanos da ONU e tem pleno efeito no Brasil, já que foram integralmente recepcionadas pelo ordenamento jurídico nacional.

Nesse contexto, a unidade, admistrada em regime de cogestão pela empresa Socializa e o Governo do Estado, tem efetivado no dia-a-dia uma silenciosa mas sólida política de desencarceramento, o que se dá por meio da promoção da ressocialização de seus internos. Faz isso promovendo uma assistência integral ao reeducando, ao mesmo tempo em que aposta alto na educação, nas oficinas de leitura e produção textual, no trabalho (intra e extramuros), e nas diversas oficinas e cursos, que envolvem mais de 600, dos atuais 869 custodiados.

Destaque para os três projetos de leitura hoje em curso na unidade. O Projeto Asas da Imaginação, do Governo do Estado e operacionalizado pela empresa Socializa, por meio do trabalho da pedagoga Rute Praxedes, que tem sido reconhecida na Bahia; o projeto Conexões, em que a leitura se dá por meio de dispositivos eletrônicos (Kindle); e o Projeto Relere, que inovou na utilização dos Kindle e é executado pela promotora de Justiça da 13ª Promotoria, Cleide Ramos.

Na educação regular, são ofertados o ensino fundamental um e dois (da alfabetização ao 9° ano), o ensino médio e o ensino universitário. São duas escolas anexas (município e estado) e, desde 2023, uma célula ligada à Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), que hoje já possui dezenas de estudantes cursando diversos cursos de forma online a partir da unidade.

A estratégia, nesse caso, é oferecer por meio online, todos os conteúdos comuns aos inúmeros cursos das diversas áreas do conhecimento, enquanto os reeducandos vão remindo a pena pelo estudo e encurtando o tempo para o desencarceramento completo. Mas não apenas. Muitos acumulam diversas atividades, além do estudo, como esportes – a exemplo de xadrez -, corte e costura e artesanato, o que acelera a redução da pena, a ponto de muitos desses estudantes já estarem se preparando para concluir os estudos de forma presencial.

O ganho aí, para o reeducando, é duplo: conhecimento e desencarceramento, num combo ressocializador. Para a sociedade, a possibilidade de receber um novo indivíduo, capaz de pensar e se esforçar para levar uma vida diferente da que levava antes do cárcere.

Segredo de polichinelo: a unidade prisional fez o caminho inverso daquele que fazem quase todas as instituições do gênero: abriu-se, especialmente para entidades da sociedade civil, órgãos públicos e parceiros que agregam ideias e ações que ajudem no mister da ressocialização. Um exemplo dessa relação é a parceria com o Shopping Jequitibá, que anualmente recebe pelo menos uma exposição de artesanato produzido pelos reeducandos. Uma oportunidade para a sociedade conhecer, num ambiente de lazer e felicidade, parte do trabalho desenvolvido na unidade.

A mensagem que esse trabalho conjunto transmite é a de que, operando apenas com o que se tem – a legislação atual – enquanto não se soluciona o “estado de coisas inconstitucional”, como classificou o Supremo Tribunal Federal o sistema carcerário brasileiro, é possível avançar na agenda do desencarceramento, numa relação ganha-ganha reeducando e sociedade.

Este modelo de gestão prisional está em discussão no Brasil, e é uma pauta que tem sido defendida pelo Sempre – Sindicato Nacional das Empresas Especializadas em Gestão de Presídios e Unidades Socioeducativas, sob a presidência do empresário Eduardo Brim Fialho. Itabuna é, assim, um exemplo que outras unidades do Brasil podem vir a seguir.

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Domingos Matos é advogado, jornalista e colaborador da empresa Socializa.

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