O juiz titular da 2ª Vara Federal Criminal da Bahia, Fábio Moreira Ramiro, condenou um casal por manter uma empregada doméstica em situação análoga à escravidão por aproximadamente 40 anos, sem receber salário nem ter direito a férias. A decisão atende parcialmente denúncia do Ministério Público Federal (MPF) de 2022.
O casal foi condenado a penas de quatro anos de prisão, convertidas em serviços à comunidade, além de multas e perda do imóvel onde a vítima trabalhava, que deve ser direcionado a programas de habitação popular, após o trânsito em julgado.
Ao final da decisão, o juiz Fábio Moreira Ramiro ressaltou que “diante da comprovação inequívoca do delito imputado aos acusados, este Juízo não poderá olvidar-se em encerrar o presente comando sentencial sem deixar de dirigir-se à vítima, e dizer-lhe que tome para si sua liberdade inalienável e intangível por sinhás ou por casas grandes ou pequenas, porque essa liberdade é somente sua, e são seus, apenas seus, os sonhos que insistem em florescer a despeito de uma longa vida de tolhimentos e de frustrações do exercício do direito de ser pessoa humana”.
Na sentença, o magistrado pontua que auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) identificaram diversas infrações às leis trabalhistas na residência dos acusados, incluindo a ausência de registro formal de emprego, não pagamento de salários e benefícios, além da imposição de jornadas exaustivas.
A defesa do casal alegou relação de afeto entre a doméstica, que hoje é uma mulher de 50 anos, e membros da família. No entanto, o MPF comprovou que os acusados praticaram crime de redução de pessoa à condição análoga à de escravo.
“Os relatos da vítima, corroborados por testemunhas, revelam que a empregada não apenas executava todas as atividades domésticas, mas também cuidava do neto dos responsáveis, mostrando que ela estava sobrecarregada com responsabilidades que excediam em muito as expectativas de um relacionamento familiar saudável”, argumentou o MPF na denúncia.
Outro ponto destacado pelo Ministério Público Federal foi a falta de oportunidades educacionais para a empregada doméstica, apesar do acesso dos demais membros da família à educação formal. “Isso evidencia uma clara privação de direitos básicos, como o direito à educação. Portanto, a dinâmica presente na residência não refletia uma relação de afeto e cuidado, mas sim um ambiente de exploração e subjugação, assemelhando-se a uma situação de trabalho análogo à escravidão”, frisou o órgão.Com todas as provas, o juiz entendeu que os acusados sabiam que estavam agindo de forma ilegal, já que um era professor e o outro trabalhava em uma instituição de ensino tradicional de Salvador. "Não estamos a tratar de dois indivíduos sem qualquer instrução educacional, que não tinham o potencial de compreender o caráter ilícito de suas condutas, seja a privação do acesso ao ensino, não estimularem a criação de novos laços sociais e afetivos pela vítima e a submeterem a diuturnos trabalhos domésticos não remunerados durante mais de 40 anos", destaca a Justiça em trecho da decisão. Ainda cabe recurso da sentença.
O titular da 2ª Vara Federal Criminal ainda determinou que seja encaminhada pessoalmente cópia da sentença à vítima. Como a vítima não sabe ler, foi ordenado que o oficial de Justiça realize a leitura da sentença de forma adequada, didática e compatível, considerando o desconhecimento da linguagem jurídica pela doméstica.
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