A licitação que seleciona a empresa que vai fornecer as câmeras para o fardamento dos policiais militares da Bahia ainda não terminou, mas já há um desenho de implementação da tecnologia nas fardas dos agentes que trabalham nas ruas.
O modelo inicial é simples: ao menos uma câmera por equipe. Essa forma de uso é uma estratégia adotada pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP), que, após o fim da licitação, vai receber 3.300 câmeras da empresa vencedora no prazo de 1 ano.
Superintendente tecnológico e organizacional da SSP-BA, o coronel Marcos Oliveira explica que o edital foi desenhado para essa forma de uso.
“O contrato foi previsto, justamente, para que toda equipe que esteja em campo tenha, ao menos, uma câmera corporal no fardamento dos policiais. A gente tem um revezamento da metade do efetivo durante o dia e uma outra parte durante a noite”, afirma o coronel, que está acompanhando o processo de licitação para a implantação das câmeras.
A estratégia, no entanto, não é vista como ideal pelo professor de estratégia e gestão pública Sandro Cabral, que atua no Insper e na Ufba e tem trabalhos na área de segurança pública. Ele acredita que a tecnologia precisa ser implementada de forma que a gestão estadual possa medir o impacto das câmeras. Ele orienta ainda a criação de ‘unidades de tratamento e controle’ para observar e comparar os resultados nas ações policiais.
“O ideal seria ter um grupo de tratamento e outro de controle. Você tem unidades em que todo mundo usa câmera e outras unidades em que ninguém utiliza. Se você tem um só agente usando e o resto não, nunca vai saber se o efeito é da câmera ou de qualquer outro fator. Não é possível medir o impacto na redução de mortes dessa forma. [...] A implantação dessa política pública tem que ser feita com base em evidências”, alerta o professor.
Em um artigo a ser publicado e ao qual a reportagem teve acesso, Sandro Cabral e Gustavo Tavares, também professor do Insper, analisam o impacto das câmeras em batalhões especiais de São Paulo, o Baep e a Rota. Os resultados mostram que, nos primeiros seis meses após a implementação das câmeras em 15 batalhões, a partir de junho de 2021, houve uma redução média de 73% de mortes decorrentes de intervenção policial, comparado com os batalhões que não implementaram as câmeras.
Além disso, houve também uma redução na apreensão de armas, com queda de 85%. Contudo, nos batalhões territoriais, equivalentes às Companhias Independentes de Polícia Militar (CIPM) na Bahia, não houve queda nesse tipo de apreensão. Membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos, que acompanha a licitação e a escolha da empresa fornecedora, Wagner Moreira pondera que a questão do modelo de implementação ainda não entrou em discussão nas organizações da sociedade civil que acompanham o caso.
Ele indica que também não vê como ideal a implementação de uma câmera por equipe, apesar do modelo ainda não ter sido apresentado na licitação. "A nossa leitura é de que todos os membros das forças policiais que estejam nas ruas tenham câmeras. Essa é a nossa posição política. Para nós, é importante que, ao fim da implementação, todos tenham câmeras e que, no processo inicial, a gente possa fazer a contraposição entre grupos similares que estejam com ou sem câmeras. Porém, isso ainda não entrou em pauta", diz.
Wagner Moreira é coordenador da organização Ideas Assessoria Popular. Sobre o processo de licitação, que se iniciou em maio e ainda não foi concluído, ele afirma que esse é um momento que exige tempo. “As câmeras são uma luta antiga, mas a gente não pode ter pressa justo na hora de avaliar a capacidade dessa tecnologia em trazer resultados e serem usadas como prova no judiciário. [...] Estamos atentos à capacidade de captação de imagens e áudio, da angulação das câmeras e como essa imagem vai ser descarregada e quem pode acessar”, fala ele.
Sandro Cabral orienta que, dentro do processo de preparação para o uso da tecnologia, é preciso fazer uma alteração de rota. “Dá tempo de consertar, nem compraram as câmeras ainda. Quando comprar, precisa desenhar isso e implementar de uma forma que possa medir impacto. Esse alerta é válido para observar o que tem de diferente com as câmeras”, orienta.
A partir da seleção da empresa e assinatura do contrato, há um prazo de 60 dias para que as primeiras 1.100 câmeras sejam entregues. Após isso, os policiais vão passar ainda por um período de treinamento nas ruas. Nessa terça e quarta-feiras, aconteceu a prova de conceito (testes internos e externos) das bodycams fornecidas pela terceira empresa classificada na licitação, para garantir que a ferramenta tenha todas as características previstas no edital e atenda às especificações tecnológicas.
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