sexta-feira, 29 de setembro de 2023

O enfrentamento ao crime organizado e as relações sociais

A "modernidade líquida" do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, onde afirma que “Vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar”, é capaz de demonstrar que a própria vontade de liberdade individual é um princípio que se opõe diretamente à segurança projetada em torno de uma vida estável, incluindo a segurança pública. É sabido que excesso de ordem, repressão e a regulação do prazer gerou um mal-estar, um sentimento de culpa populacional resultado dos anos ditatoriais.

Conforme a democracia vem projetando ao longo dos anos, adaptações nas relações sociais, tudo passou a ser questionável e raso. A conduta humana e a prisão familiar pandêmica reestruturaram toda uma sociedade que "habitava" dentro da "normalidade". Foi a gota d'água que faltava no copo. O transbordo do líquido social e das adversidades que permite a contestação de todo e qualquer direito, permitiu o exílio das facções na Bahia.

Desde o início do mês de setembro, que é declarada o confronto entre Grupos Armados e a Polícia Militar da Bahia. Contudo, o que não é percebido pela população, é que o enfrentamento contra as organizações paramilitar é antigo, não é momentâneo.

Essa batalha já é traçada em outros locais do país como Rio de Janeiro e a grande São Paulo. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a Bahia desponta com mais mortes violentas intencionais do país, mas isso não significa que é o único. Atrás da liderança baiana vem Pernambuco, Rio de janeiro e São Paulo. Destes citados, houve um grande aumento nas mortes em São Paulo.

Foi noticiado em setembro que uma das maiores facções criminosas do mundo, o PCC chegou aos 30 anos agora em 2023, com cerca de 40 mil criminosos batizados e presente em ao menos 26 países, de acordo com a polícia. Portanto, a crescente não é restrita à Bahia, é inserida num contexto mundial. Ricardo Capelli - Secretário-Executivo do Gabinete de Segurança Institucional do país, afirmou que o "crime organizado não se combate com rosas", mas também não é como a colega jornalista, Flávia Oliveira relatou ser: uma chacina.

É óbvio que combater a criminalidade haverá confrontos e, consequentemente mortes. Mas isso não significa que a Bahia é responsável pela migração de facções criminosas de um estado para o outro conforme aconteceu em meio à crise pandêmica mundial. O STF interferiu diretamente nesse combate quando resoluto impôs que somente em "hipóteses absolutamente excepcionais", seriam realizadas operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro.

Entretanto, foi a conta de a migração nacional acontecer. A diferença daquela época para as atuais, é que os noticiários mudaram a região, os combates continuam, e as notícias passaram a ser divulgadas com o nome do estado baiano por conta da falta de enfrentamento onde o conflito nasceu, no Rio de Janeiro. E sim, o governo do estado da Bahia está enfrentando a situação de forma enérgica. Se há confronto haverá mortes, a conta é muito simples. 

Na edição de hoje (29) do jornal O Globo, a repórter Flávia Oliveira em sua coluna cita o "rastro de sangue" deixado pelos combates neste mês que abrangeu inocentes, fardados e faccionados. Ela ainda foi além, afirma que a melhor forma de combater o "varejo de drogas" e a "letalidade policial" seria investir em inteligência, como se a Secretaria de Segurança Pública não o fizesse. É claro que não será exposto todas as formas de combate ao crime para a imprensa ou para a população, mas cabe aqui elencar que as mortes entre os colegas de profissão só remontam o quebra cabeça citado pela repórter. 

Não é para gloriar toda morte, mas quem se arrisca na profissão sabe o custo daquela área. A instituição policial baiana está em combate ao narcotráfico, as facções, e até as vezes, contra a mídia de massa. Infelizmente, dois policiais militares morreram na última quarta-feira (27) e acabaram mortos. A fatalidade corrobora a solicitação de cooperação entre os poderes públicos e a população. Um deles trabalhava sem farda por ser do setor de inteligência, (repartição que a colega de profissão questionou não estar em execução), e ao perseguir um suspeito, este que entrou no bar e o outro policial, abriu o "fogo amigo", resultando nas três mortes.

É até ridículo dizer que as instituições precisam fluir e trabalhar de forma independente, a fim dos interesses comunitários sejam defendidos. Está faltando um pouco de tolerância entre as pessoas, e do governo, um pouco mais de agilidade em resolução de problemas. A violência é uma questão social como muitos sabem, porém, as críticas ao combate não podem sair da cadencia acadêmica para ganhar a comunidade sem uma responsabilização. Esse atributo diz respeito a todos, como cidadãos ou não, mas como baianos a defesa é própria, começa em casa, começa em si mesmo.

Para quem não viu o apelo da irmã do servidor público, Lucas Caribé, este que morreu em confronto contra as facções baianas, questionava como a imprensa retrata os combates contra o crime no estado. Ela pedia que as pessoas respeitassem o serviço realizado pelos colegas de farda que de fato tem trabalhado por seus ideais e funções policiais, num trabalho de grande risco.

O desespero de Priscila Caribé direciona a atenção da mídia para não ignorar as dificuldades da profissão policial. Quem entra na corporação sabe que ter o fator risco de vida implica em ter a consciência de sua perda maior, a vida. O que é discutível é o fato de o cumprimento da função ser questionada a sua legitimidade. É violar o direito de uns em detrimento de uma multidão. É assim que funciona a vida, é assim que funciona a máquina do sistema.

Existe uma frase no texto da colega que concordo, "O que a Bahia não pode ser é o Rio amanhã.". Sim, ela é enfática em solicitar estratégias, equipamentos policiais, revisão do sistema carcerário, e até coibir a corrupção de agentes públicos, concordo em parte, pois não adianta tapar o sol com a peneira, porque é o mesmo que enxugar gelo.

Em 2005, houve um plebiscito questionando a população sobre o desarmamento. O último governo endossou uma população armada. O resultado atual, enxugamos um leite que derramou pelo governo anterior. Então, colega jornalista, eu não só reitero suas palavras afirmativas de propor o impedimento de um novo Rio de janeiro dentro da nossa Bahia, como também é imprescindível utilizar de forma assertiva a Constituição ao favor da população no uso apropriado de referendos e afins. Um decreto serve para regulamentar a lei, e não para na calada da noite flexibilizar o uso e a compra de armas, realizado pelo governo anterior.

A insegurança abrange a todos, policiais ou não. Mas, o que a população nesse momento de combate ao crime organizado precisa é se posicionar a favor, de quem deve praticar atos de proteção da maioria e de função social, a polícia. Priscila Caribé em sua rede social se manifestou contra a forma que as pessoas estão tratando a fatalidade contra seu irmão morto em combate.

Já o vereador Sandro Bahiense fez um discurso na Câmara pedindo piedade, paz e mais segurança, ao sentir a perda de Anderson Santana, o policial morto que estava no bar e acreditou passar por uma tentativa de assalto quando o Marcelo Santana que trabalhava disfarçado, descaracterizado de policial, foi morto na troca de tiros. Foram pequenos atos que pessoas próximas aos policiais mortos tomaram, mas são posicionados em uma sociedade que luta para conviver em suas diferenças prioritárias.

Ainda quero fazer acreditar que o interesse da maioria é pela coerência e segurança de todos. Proteger o cidadão é apoiar quem está pronto e justificado pela lei, para a fazer cumprir. E, se houver algum imbróglio, as devidas medidas serão tomadas, mas até lá, se faz necessário o apoio. Não podemos permitir que Zygmunt Bauman tenha razão quando afirma: "Vivemos o fim do futuro."