Morreu no início da tarde desta terça-feira no Hospital Geral de Ipiaú, onde aguardava ser regulado para uma UTI de atendimento nefrológico, com processo de diálise, o ex-jogador de futebol Gajé que brilhou no futebol baiano como atacante de grandes clubes profissionais e amadores, marcando mais de 300 gols em toda sua trajetória. O óbito ocorreu às 12hs30min e o corpo está sendo velado na Pax Nacional. O horário e local do sepultamento marcado ainda não foram divulgados.
Ele tinha 82 anos e estava lutando com o agravamento da enfermidade desde a última segunda-feira, 19, às 22 horas, quando deu entrada na Clínica São Roque, com sintomas de derrame pleural: dificuldade em respirar, dor na região torácica e falta de ar. Na quarta-feira foi transferido para o hospital público, ocupando leito na semi UTI onde aguardava transferência para um hospital com mais recursos.
A Defensoria Pública da Bahia, por meio da sua unidade em Ipiaú, chegou a conseguir liminar determinando que o Governo do Estado providenciasse uma vaga em unidade hospitalar adequada ao tratamento do atleta, mas o recurso não obteve o êxito desejado, mesmo com prazo estipulado e aplicação de multas enquanto não ocorresse a remoção. Gajé não resistiu e perdeu o confronto com a morte.
Ele foi batizado com o nome Antonio Everaldino Venâncio dos Passos, mas pescando um pequeno caranguejo de água doce ganhou o apelido com o qual ficou definitivamente conhecido. O caranguejo gajé (richodactylus) é uma espécie ameaçada de extinção, assim como o ponta direita nato que teve entre seus representantes históricos o craque homônimo e o fenomenal Mané Garrincha.
Ambos tinham um jeito tímido, descendência indígena, dribles desconcertantes e uma incrível capacidade da fazer gols. Gajé também atuou em outras posições, inclusive a de centro-avante.
Fez mais de 300 gols. Somente em uma partida, no Estádio Pedro Caetano , em Ipiaú, marcou 11, deixando o goleiro de um “catado” de Ubatã, cansado de tanto buscar a bola no fundo da rede. No Bahia ele fez 24 gols em duas temporadas, e mais quatro pelo time do Leônico, Campeão Baiano de 1966.
A história oficial do atleta Gajé foi iniciada no time dos Alfaiates em Ibicaraí, onde também jogou pelo Flamengo de Boca Rica. O desportista Zequinha do Carmo ficou admirado com sua habilidade e não hesitou em levar-lhe , com apenas 15 anos, para o futebol de Itabuna , de onde foi projetado para o cenário estadual.
DE ITABUNA A IPIAÚ
A poderosa Seleção de Itabuna foi hexa-campeã do Intermunicipal, nos anos 50/60. Gajé se destacou na conquista do penta. Naquele fabuloso time jogavam Chicão, Fernando Riela, Leto, Lua, Carlos Riela, Santinho, Zé Reis, Itajaí, Abiezer, Caxinguelê,Tombinho, Ronaldo, Déri e os goleiros Luis Carlos e Betinho.
O craque estava em Itororó quando Jaime Cobrinha, o mais astuto dos cartolas ipiaúenses, lhe chamou para jogar no Independente Esporte e Cultura, um time ultra afinado que chegou a ser comparado a uma orquestra e que também contava em seu harmonioso elenco o incrível Betinho, um goleraço que chegou a atuar no lendário time do Santos de Pelé e esteve com Gajé na Seleção de Itabuna.Ídolo da torcida do Independente, Gajé ampliou sua coleção com dois títulos consecutivos (1965/66) e muitos gols. Além disso, criou uma relação de amor por Ipiaú.
No Independente Gajé teve oportunidade de atuar com Bueirinho, Zé Plínio, Tanajura, Dilermando, Gino, Davi Cara de Jegue, Jorge Campos e outros atletas extraordinários. Na campanha do bicampeonato , em 1966, o Independente contou com Betinho, Dí, Everaldo Barbosa, Gaso da Serraria, Jasson, João Grilo, Américo Pintor (o Massagista) e o dirigente Jaime Cobrinha(em pé). Caribé, Denancí, Gagé, Daniel Macêdo, Gino, Orlindo Lopes e Lourival Paneli (agachados).
TÍTULO INÉDITO DO LEÔNICO
Gajé pretendia ficar em Ipiaú, onde montou uma alfaiataria e fez muitos amigos, porém foi seduzido pelos cartolas do Leônico que reforçaram a equipe para disputar o segundo turno do Campeonato Baiano. Fez bonito na Fonte Nova e ganhou seu primeiro título no futebol profissional.
De tanto aprontar com os adversários, o Leônico foi apelidado de “Moleque Travesso”. Nesse time, campeão baiano de 1966, Gajé reencontrou seu amigo Zé Reis. Os dois atuaram juntos na Seleção de Itabuna e repetiram alegres façanhas em Salvador.
O Leônico campeão esteve assim constituído: Gomes, Nelson Cazumbá, Bell, Biguá, Petronio; Bolinha, Careca; Gajé, Zé Reis, Geraldo e Armandinho.
NO BAHIA
Osório Villas-Boas, o todo poderoso presidente do Bahia, quis Cajé no seu time e assim foi feito. No clube mais querido do estado o veloz atacante ficou até o final dos anos 60. Participou de competições nacionais e até internacionais.
Titular absoluto na temporada de 1968, ele teve uma boa atuação na Taça Brasil e até fez um gol olímpico no Beira Rio , em Porto Alegre, contra o Internacional.
Na ocasião o elenco do Bahia era formado por Jurandir, Dário, Ailton, Jaime, Souza , Luiz Ditão, Caetano, Adaurí, Gajé, Amorim e Canhoteiro.
Gajé também vestiu a camisa do Fluminense de Feira e do Itabuna Esporte Clube, entretanto desistiu do futebol profissional, retornou a Ipiaú e continuou jogando no Independente.
NOVAMENTE NO INTERMUNIPAL
Gajé esteve diversas vezes na Seleção de Ipiaú, conquistou mais um titulo pelo Campeonato Intermunicipal. Foi no ano de 1977 numa decisão contra a Seleção de São Felix com um gol de Jorge Pato. Nessa decisão Ipiaú sagrou-se bicampeão do Intermunicipal . Roberto, Litinho, Pedrito, Sapatão, Boca de Pia, João Velho, Carlinhos, Dadá, Jorge Pato, Cesar Véi e Gajé, foram os atletas da campanha vitoriosa.
Não saiu mais de Ipiaú. Instalou uma granja e a cada frango que vendia lembrava dos goleiros que não conseguiram segurar seus fortes chutes. Ao final do expediente ia bater baba no areião do Arara, às margens do rio das Contas, e continuava, driblando, correndo muito e fazendo gols de placa.
Quando era visitado por amigos, em sua residência no Bairro Dois de Dezembro, relembrava as grandes jogadas, os momentos felizes, desde criança junto aos seus pais José Guilherme e Petrina Venâncio, os mergulhos no Rio Salgado e as vitórias nos gramados baianos. Às vezes era tomado pela emoção e entre lágrimas e risadas assegurava cheio de convicção: “ Eu nasci pra fazer gols”.
*Giro/José Américo Castro
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