As medidas do governo para aumentar os gastos sociais às vésperas das eleições tendem a colocar uma pressão adicional sobre a inflação, em um cenário no qual o processo de alta dos preços em escala global também tem influenciado a dinâmica inflacionária local.
Nesse cenário, economistas avaliam que os reflexos das políticas adotadas pelo governo Bolsonaro na inflação de médio prazo devem forçar o BC (Banco Central) a ter de ser ainda mais agressivo na condução da política monetária.
Desde março de 2021, a autoridade monetária já elevou a taxa Selic da mínima histórica de 2% ao ano para os atuais 13,25%. E, no boletim Focus, a estimativa mediana dos economistas indica mais uma alta de 0,50 ponto percentual no encontro dos dias 2 e 3 de agosto, com a taxa básica de juros em 13,75% em dezembro de 2022, recuando para 10,75% até o final de 2023.
No entanto, a política fiscal expansionista, bem como as dúvidas que pairam acerca da condução da economia a partir de 2023, faz com que um número cada vez maior de agentes econômicos passe a apostar que o BC tenha de ser ainda mais duro no processo de ajuste nos juros.
Seja com mais aumentos do que o previsto pelo consenso de mercado na Selic, seja com a manutenção da taxa em patamares elevados por mais tempo do que o esperado.
Economista-chefe da Itaú Asset, Thomas Wu projeta que a taxa Selic irá alcançar os 13,75% ao final do atual ciclo de alta dos juros. Mas, diferentemente dos pares, avalia que dificilmente a autoridade monetária terá espaço para promover alguma redução da Selic em 2023.
Wu afirma que o aumento dos gastos pelo governo para ajudar as classes menos favorecidas faz sentido, tendo em vista os choques de preços no Brasil e no exterior, e a pressão causada em itens básicos de consumo, como alimentação e energia. "Vários países estão fazendo alguma política fiscal que protege os mais vulneráveis", diz.
A medida, contudo, faz com que a inflação esperada à frente seja mais alta, o que deve impedir que o BC dê início ao processo de afrouxamento da política monetária a partir do ano que vem, afirma o economista-chefe da Itaú Asset.
Ele projeta o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em 7,7% para 2022, e em 5,5% para 2023 —ambas as projeções estão bem acima da meta de inflação a ser perseguida pelo BC, de 3,5% e 3,25%, respectivamente. "Dificilmente o BC vai ter espaço para corte de juros em 2023."
DETERIORAÇÃO DAS CONTAS PÚBLICAS E DA INFLAÇÃO
Na segunda-feira (25), o Citi revisou, de 9,50% para 10,50%, a estimativa para a taxa Selic no final de 2023. Já para 2022, a projeção foi mantida em 13,75%.
Embora iniciativas recentes de redução de impostos estejam reduzindo os preços no curto prazo, as perspectivas de médio prazo para a inflação se deterioraram ainda mais, já que as medidas de alívio são apenas temporárias, aponta o Citi em relatório.
"A inflação persistente, os estímulos fiscais adicionais e uma atividade mais forte indicam uma taxa Selic de dois dígitos por mais tempo", diz o banco americano.
Ainda segundo os economistas do Citi, a contínua deterioração das condições econômicas globais tende a manter o real na recente trajetória de desvalorização frente ao dólar. O Citi projeta a taxa de câmbio em R$ 5,42 no final do ano —a moeda encerrou a sessão nesta sexta-feira (29) negociada a R$ 5,17.
A apreciação do dólar, por sua vez, tende a inflar uma inflação que já se encontra em patamares bastante elevados no Brasil, uma vez que, com a moeda americana mais cara, os produtos que o país importa dos Estados Unidos automaticamente também sobem de preço.
SANTANDER E CREDIT SUISSE PROJETAM SELIC EM 14,25%
Em 14 de julho, um dia depois de a Câmara ter aprovado a PEC dos Benefícios, o Santander aumentou, de 13,50% para 14,25%, a projeção para a taxa Selic no final de 2022, e de 10,50% para 12%, em dezembro de 2023.
Segundo o banco, o aumento nas expectativas de inflação para o próximo ano desde a última decisão do Copom (Comitê de Política Monetária), junto a uma deterioração no balanço de riscos, com os novos impulsos fiscais, foram os principais motivadores que levaram à revisão. Números considerados fortes de emprego também foram citados entre os motivos para o ajuste.
"Estes fatores geram risco importante para o cenário de desaceleração da atividade econômica antecipado pelo BC para o segundo semestre de 2022 —o que entendemos como condição estritamente necessária para a rápida desinflação projetada pelos modelos da autoridade", disse o Santander em relatório assinado pela economista-chefe do banco e ex-secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi.
Ainda de acordo com a avaliação do banco espanhol, o BC deve evitar um pico ainda mais acentuado dos juros no ciclo atual, mas mantendo as taxas mais altas por mais tempo.
"Ainda assim, identificamos a necessidade de um aperto adicional na taxa Selic para que o BC possa trazer a inflação para mais perto do centro da meta em 2023."
Também na esteira da aprovação da PEC, o Credit Suisse revisou no dia 13 de julho, de 13,75% para 14,25%, a projeção para a taxa Selic no final deste ano. Para 2023, a estimativa também subiu, de 10,75% para 11,25%.
A inflação elevada e disseminada em diversos setores da economia e as estimativas crescentes para o IPCA no ano que vem foram citados pelo Credit Suisse entre os motivos que embasaram as revisões.
No boletim Focus de 22 de julho, a projeção para a inflação, embora tenha recuado de 7,30% para 7,20% para 2022, subiu, pela 16ª semana seguida, de 5,20% para 5,30% para 2023.
A deterioração do quadro fiscal e um desempenho melhor do que o esperado para a economia neste ano também contribuíram para a visão do Credit Suisse quanto à necessidade de um aperto mais agressivo pelo BC.
Economistas avaliam que, embora as medidas fiscais que beneficiam a população de baixa renda, se por um lado, impulsionam o crescimento econômico em 2022, por outro, escondem uma herança maldita para 2023, que deve ser marcado por um crescimento abaixo do previsto inicialmente pelo mercado, com mais inflação e juros.
"Interromper o ciclo de aperto neste ponto seria altamente arriscado, dado que as expectativas de inflação estão significativamente desancoradas, o que pode comprometer a credibilidade da política monetária e aumentar o custo da redução da inflação, e pelo fato de que os bancos centrais ao redor do mundo estão tentando reafirmar sua credibilidade e compromisso com o objetivo de manter a inflação baixa, o que aumenta o risco de uma taxa de câmbio doméstica ainda mais depreciada", apontou o Credit Suisse no relatório assinado pelos economistas Solange Srour, Lucas Vilela e Rafael Castilho.
SIMBOLISMO PARA ANCORAGEM DAS EXPECTATIVAS
Economista-chefe da gestora Tenax Capital, Débora Nogueira também revisou em 13 de julho, de 13,75% para 14%, a projeção para a taxa Selic no final de 2022.
Segundo ela, os dados mais recentes de atividade e inflação sugerem que o quadro em setembro ainda será de descolamento importante dos preços para 2023 em relação à meta, exigindo alguma ação adicional do BC.
Já em outubro, o peso de 2024 para o horizonte da política monetária ganhará espaço, enquanto também será maior o peso da contração da atividade econômica em 2023, viabilizando, dessa forma, a interrupção no ciclo de alta dos juros, afirma a especialista.
"Esses 0,25 ponto percentual adicionais da Selic em setembro terão impacto reduzido na inflação, mas trazem um simbolismo importante em um momento em que a ancoragem das expectativas é o objetivo", diz a economista-chefe da Tenax.
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