Ao falar pela primeira vez com a imprensa desde que foi preso em junho de 2015, o empresário Marcelo Odebrecht evitou abordar temas políticos e a Operação Lava Jato. Mas isso não impediu que ele revelasse bastidores de alguns negócios feitos pela empresa que um dia presidiu.
Por exemplo, Marcelo abordou os investimentos estrangeiros da empreiteira e disse que as relações do governo brasileiro com os países onde trabalharam ajudava, mas, em geral, a iniciativa partia da empresa. Segundo ele, ao longo dos 20 anos de expansão da Odebrecht, apenas um caso teve o pontapé inicial no governo por "motivação ideológica e geopolítica".
"Em todos os países, nós íamos por iniciativa própria, conquistávamos o projeto e buscávamos uma exportação de bens e serviços. Em Cuba, houve um interesse do Brasil de ajudar a desenvolver alguns projetos. E aí Lula pediu para que a Odebrecht fizesse um projeto em Cuba", relatou o empresário à Folha de S. Paulo.
Questionado sobre como ocorreu o pedido, ele lembrou que o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) havia visitado Cuba, quando passou por uma estrada deteriorada e disse ao governo que poderia ajudar. O desejo dele era que a empreiteira baiana fizesse uma estrada voltada à exportação de serviços do Brasil, como forma de gerar emprego, renda e arrecadação, mas também ajudar Cuba a desenvolver o projeto.
No entanto, diante da destruição causada por um tufão, o governo cubano preferia a construção de casas.
Já a Odebrecht avaliou que o melhor para o Brasil era a construção de um porto. "A obra de um porto tem muito mais conteúdo que demanda exportação a partir do Brasil. Para fazer uma estrada ou uma casa, em geral, é mais difícil fazer exportação. No caso de um porto, tem estrutura metálica, maquinário, produtos com conteúdo nacional para exportar do Brasil. O porto também seria um gerador de divisas internacionais, o que ajudaria a pagar o financiamento. Vimos o porto como um local que ajudaria a economia de Cuba. E a nossa expectativa, que infelizmente acabou não se confirmando, até pelo esgarçamento da relação com o Brasil, era que mais empresas brasileiras poderiam se beneficiar do porto em si. Mas infelizmente essa parte ficou pelo caminho", comentou.
Marcelo reforça que, nesse único caso, o governo brasileiro se empenhou para garantir a aprovação do crédito do BNDES, mesmo que a empresa não apostasse tanto no projeto no início. Segundo ele, os clientes da Flórida, que na época abrigava sua maior operação americana, apresentaram uma grande reação. "A gente tentou, inclusive, sair fora no início, mas era complicado. Como a gente ia usar o argumento de que uma empresa brasileira não pode atender a geopolítica brasileira porque atua nos Estados Unidos? De fato, Cuba não foi uma opção fácil para a gente, mas acabamos indo", afirma, acrescentando que não considera um erro ter atendido o interesse do presidente nessa causa.
De acordo com Marcelo, a empresa enfrentava um "dilema" com as viagens do petista porque, se por um lado, a impressão era a de que ele "vendia bem o Brasil" e, com isso, ajudava a "reforçar os links" da Odebrecht com os países parceiros, por outro, ele não vendia apenas ela, levando a competição brasileira para um campo onde a empreiteira baiana costumava atuar sozinha.
Ao longo da entrevista, Marcelo falou ainda sobre a suposta "caixa-preta do BNDES", um dos temas mais pautados pelo atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Para o empresário baiano, em relação a Odebrecht, essa caixa preta não existe.
"O pessoal diz que o BNDES praticou políticas, principalmente de juros baixos e condições favoráveis de financiamento, que eram incompatíveis com o mercado. Questionam o jatinho e constroem a história de uma maneira espetaculosa. É como se fosse assim: ‘Jatinho é de rico, e o BNDES está dando o financiamento a 5% só’. Mas o foco do governo foi dar financiamento para produção que gerava renda e trabalho para o Brasil. De fato, as condições gerais do BNDES, tanto de juros, quanto de prazo, são muito melhores. Em relação ao mercado brasileiro, são distorcidas. Mas eram extremamente compatíveis com o que se praticava no resto do mundo", defende.
Em prisão domiciliar desde dezembro de 2017, Marcelo diz que não tem saudade da rotina na Odebrecht por falta de tempo. Agora que progrediu para o semiaberto, o empresário divide sua rotina em reuniões com advogados e atenção aos processos em que está envolvido e à família.
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