A brutalidade, a premeditação e a frieza demonstradas pelo garoto de 12 anos que disse à polícia ter matado a menina Raíssa Eloá Capareli Dadona, 9, podem levá-lo a uma internação psiquiátrica por tempo indeterminado caso seu depoimento seja confirmado, segundo especialistas ouvidos pela reportagem. Entre eles está o procurador Paulo Afonso Garrido de Paula, 62, coautor do ECA (Estatuto da Criança de Adolescente). Ele diz ver na gravidade do ato infracional e nas características do garoto um sinal de que algo não está certo “do ponto de vista mental”.
“Ainda que seja um garoto de 12 anos, ninguém comete um crime dessa natureza, com esses requintes, sem algum tipo de comprometimento [psiquiátrico]”, afirma o membro do Ministério Público de São Paulo. “Evidentemente, ele vai passar por avaliação psicológica e psiquiátrica. Se indicar um desequilíbrio e ele for capaz de redundar na prática de novos atos semelhantes, por razões de defesa social, determina-se a manutenção dele numa casa de saúde.”
De acordo com a polícia, o garoto confessou ter matado Raíssa no parque Anhanguera (zona norte da capital paulista), e disse ter brincado com a vítima antes de assassiná-la com pauladas na altura do rosto. Segundo policiais, o adolescente teria mostrado frieza ao confessar a morte. “Teoricamente ele fica sujeito a três anos de internação enquanto medida socioeducativa, pelo ato infracional, mas, além disso, a alguma medida socioeducativa imprópria, como são chamadas essas relacionadas à saúde mental”, diz o promotor.
A medida, caso confirmada, seria parecida com a aplicada contra Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha. Em 2003, aos 16 anos, ele liderou um grupo que estuprou e matou Liana Friedenbach, 16, depois de ter matado o namorado dela, Felipe Silva Caffé, 19, em Embu Guaçu, onde o casal acampava.
Champinha segue internado até hoje em uma Unidade Experimental de Saúde, onde ficam infratores com distúrbios mentais. No início do mês, ele liderou um motim no local.
A eventual internação por distúrbios mentais só deve ocorrer, porém, após análise médica e se requerida pelo Ministério Público ou pela defesa, e autorizada pela Justiça.
“Se for demonstrado, por exemplo, que ele é psicopata, por meio de laudos, se tiver traços de psicopatia, é possível que isso até aconteça mais para a frente. Vai depender dos laudos e relatórios psiquiátricos”, diz o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em assuntos ligados à infância e adolescência.
“Suspende a internação por medida socioeducativa e é decretada uma internação psiquiátrica com base na legislação de saúde mental. Pode ser estabelecida uma internação por motivo psiquiátrico por prazo indeterminado, até que os laudos apontem que o adolescente tem condições de voltar a conviver em sociedade.”
Ainda segundo ele, a família ou defesa podem preferir esse tratamento por ser mais seguro. “Até pela gravidade do ato, por envolver criança como vítima, ele corre riscos em uma unidade de internação, de estar misturado com outros adolescentes”, disse.
Já o desembargador Antônio Carlos Malheiros, consultor da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, aponta que já há um projeto em tramitação no Congresso que trata da possibilidade de um tempo maior de internação de adolescentes infratores, hoje restrito a três anos.
Em sua opinião, a medida só será benéfica se o objetivo for a recuperação do menor.
“Se for apenas para castigar o adolescente, eu sou contra. Se for para ter um cuidado maior, com mais tempo, para que saiam realmente restabelecidos, eu acho que poderá ser interessante”, diz.
Os especialistas ouvidos pela reportagem, com décadas acompanhando menores infratores, afirmaram desconhecer caso semelhante de um garoto com tão pouca idade ter cometido ato infracional de forma tão grave, tão violenta.
Marcos Carneiro Lima, ex-delegado-geral, ressalta que uma investigação envolvendo crianças e adolescentes infratores deve ser respaldada no respeito às garantias.
Entre elas, ele cita a preservação da imagem, a forma de condução ao distrito e a prática de sempre ouvir a criança ou adolescente na presença de um representante legal. “O agente da lei não pode transgredi-la para chegar à solução de um crime”, diz.
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